domingo, 15 de janeiro de 2012

As forças do Samba

Encontrar amiga/s, beber, conversar, ver e conhecer pessoas, dançar. Essa é a face visível do samba, seu entorno e espaço de excelência, o da interação social. Dá para fazer e ouvir  sozinho, no carro, em casa, e sem  beber, é fato. Mas, viver o samba com gente em volta é outra pegada.

A vivência do samba se dá mesmo é na roda, na troca de sorrisos entre desconhecidos e amores de todos os feitios, no suor, no copo quebrado, na coragem de quem tira o outro pra dançar, na desafinação de quem acompanha os bambas. Se faz em nossa casa, na casa dos outros, no ônibus, na rua, no estádio de futebol, em shows e em bares, haja lugar!

Uma coisa fundamental a dizer... é negro. Uma forma de expressão da cultura negra. Mesmo quando quem canta/toca não é. A negritude do samba é uma primazia, nem se nega, nem se cria. Quem canta, faz e ama o samba pode nem pensar nisso... mas, quem vai contestar?

Os primeiros que fizeram, seja África, Rio ou Bahia - assunto para mais muitas teses - não tinham muitos recursos e a democracia de criar ritmo a partir de um toque percussivo e vozes persiste, existe até na caixa de fósforos, como nos ensinou Dicró. O samba é um dos instrumentos relacionais mais democráticos da nossa sociedade. A cozinha, não por acaso, é o coração do samba, é a percussão que atinge nossa diafragma e nos move junto com a melodia das cordas e das vozes. O império de Neguinho do Samba, Mestre Marivaldo do Ilê, Guto Martins.

E nesse universo, vêm as divas, os reis, as rainhas, os mestres, os bambas, os malandros, as diletantes (onde me incluo), as personagens do espetáculo. A constelação de estrelas, famosas ou não, é vasta e democrática. Tem a majestade de Clementina e Dona Ivone Lara. A beleza e sofisticação vocal de Tereza Cristina, Cris Pereira e Martinália. A intensidade e prazer em cantar de Tereza Lopes, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho. A delicadeza de Paulinho da Viola e Mariene de Castro. O talento de composição de João Nogueira, Nelson Cavaquinho e Pixinguinha. A presença cênica, o poder de encanto de Alcione, Diogo Nogueira e Vinicius de Oliveira.

No samba tem espaço para a tristeza da lembrança, a saudade, para pensar! Seja no que vivemos ou nos que se foram, mas deixaram algo em nós, como Clara Nunes, Cartola e Noel Rosa. Na fé, que se fortalece. É a série afro-religiosa de Baden-Powell, um samba-enredo que celebra Nossa  Senhora, o cântico de vitória e a crença de Minha Fé. Está na música-tema que conta a história de Hilda Jitolu, matriarca do Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro do Brasil. Sim, os blocos afros fazem samba-reggae, afinal.

A amizade é celebrada e... queremos ir acompanhados de quem gostamos, já percebeu? Confiança, é algo a cultivar onde a gente se expressa tanto! E bebe, fala e faz besteira (quem não?) E aí tem Meu Lugar, para acompanhar o prazer da amizade, cantado com ternura por Arlindo Cruz e, ainda, a delicadeza de Conselho, onde Jorge Aragão expressa o carinho desinteressado que esperamos e devemos receber dos amigos. 

E tem política e a comunicação, como em Zé do Caroço. A autonomia humana está lá em Maneiras. A sedução envolvente de Disritmia, as promessas que ocupam Cabide tão bem, né não? A traição se traduz em Nervos de Aço. A decepção em Regra Três. A esperança em O Amanhã. As dúvidas, alegrias, as relações, resistências, amor, luta, arrependimentos, nascimento dos filhos... qual pulsão humana o samba ainda não traduziu?

Todas as forças agem em mim quando estou na roda. Eu aprendo, eu cresço, eu faço amigos. Eu fico melhor como ser humano, por que a matéria-prima do samba é a humanidade. Me reconheço, me celebro, lamento, protesto, lembro, esqueço e recomeço. Todo samba é um renascimento. Existe, sim, uma força maior que nos guia.

No samba eu me sinto contente. Até a próxima roda.

PS - Esse texto, onde citei talentos de Brasília e Salvador, também é um agradecimento ao Samba do Peleja, onde ninguém é profissional e todos celebram.

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