quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Isso não é um Ebó


Cozinhei raiva no dendê... e do caldo grosso, cuide o tempo.
Lavei ódio no resto da cachaça e a sobra é da rua.
Retalhei rancor em cacos de garrafa espatifadas nas espadas.
Acabou o tempo da água suja. 
Voo.
Sem impurezas na pele, sem vestígios de lágrimas alheias, pois embaixo da água foi o que é da água.
E de líquido barrento e lama e lodo quem sabe tirar o bom é a mãe primordial.
Nada se reflete do espelho sujo da hipocrisia mundana
Nem esse reflexo me alcança. 
Oxum me limpa. Exu me liberta em palavra e poesia vulcânica.
Dou o resto de mágoa cadáver para a pedra viva de Xangô
Esse sabe o que fazer, eu não.
E na minha pele nova, fininha, criança, que nada sobre.
Dos restos de tudo, come tu. 
Toma todo espólio. 
Encha, inche, estufe do que é seu. 
Porre. Porra. Não Pare. 
Nada disso me pertenceu e ficará, sangrou, fluiu, estancou, cicatriz em fogo que um dia nem verei mais na cara.

domingo, 24 de junho de 2018

entre o sim e o não

entre o sim e o não

andamos pelas ruas do povo que nos guarda


partilhamos o sagrado eco da história que a boca contou
caminhamos sem segredos e sem medo
enquanto a carne fazia festa na Terra
naquela pausa entre o sim e o não

era sábado no Curuzu de euforia 

coral negro e dourado e cristal
era sereia que batia a cauda na água profunda do desejo
e espalhava luz
tudo era fogo santo e não ardia

a vida deslizava veludosa sobre a nudez do sentimento

até que não
eu não

você não

não

quinta-feira, 1 de março de 2018

Água de Semente

como a água


nem sempre participamos da colheita
mas, lembre-se


já fecundamos a avidez da semente


e essa dádiva
o que vem depois não tira



segunda-feira, 16 de outubro de 2017

De Mistérios do Rio



como o rio passa e não se perde?
e ainda ensina a ser guardiã de mistérios?

sabe do rio, só o momento
quem mergulha naquela hora
ou passeia no raso
só sabe que vem onda ou barranco
quem conhece onde tem pedra

e sabe apenas daquela hora
e já perde o fio
lá adiante rio já transmuta
alguém represa
aí, na frente, vem leito liso, ou cascata, é caudal
do outro lado, praia, abismo, loca, grota seca

é da natureza ser passante, fluir e mudar

segue adiante
molha pirambeira, recôncavo, cabeceira
resvala
alimenta queda, cascata, corrente

o rio é
o rio há
o rio está
onde deve estar
para sobreviver
e avança
vai descansar no mar
sem morrer

terça-feira, 29 de agosto de 2017

comigo, comigo, comigo

Foto: Janine Moraes para Terreirada

Não tenho compromisso com quem me congela 
com preguiça, ou desamor, numa imagem que um dia viu

não tenho compromisso


com o que pensam de mim


não tenho compromisso 


com o que enxergam


meu compromisso é 


comigo, comigo, comigo.

E assim, que venha o bem, o bom, o bonito, o mais bonito.
Com muito de inesperado... não planejado... nem pensado antes.

Com o apenas sonhado, não articulado... 
Com mais sensação e menos cálculo.

Sou a minha prioridade
Sou o amor da minha vida

quinta-feira, 23 de março de 2017

Do Paó (para iyá Dora ty Oiyà)

( foto: https://www.facebook.com/olhardeumcipo/ ) 

do dia da caça...
de todo dia ser de Òsósí caçador

da espada e do escudo de Ogun 
da força das cachoeiras abundantes de Osun
da ventania purificadora de Oiyà
de, sob o alá de Òsàlá, manter-ser a salvo 
dos olhos perigosos...
dos covardes


( foto: https://www.facebook.com/olhardeumcipo/ ) 



quinta-feira, 2 de março de 2017

De quinta



Na vibração exata


Pena, passo, flecha, mira, alça atravessada
Salto silencioso


E o alvo?