terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Dos encontros



Na vida, 
muitas vezes os corpos se tocam
e as almas, nunca.
"Não tem explicação.
Não tem, não tem, não tem..."

Eu não errei quando juntei minha alma a sua.

domingo, 15 de janeiro de 2012

As forças do Samba

Encontrar amiga/s, beber, conversar, ver e conhecer pessoas, dançar. Essa é a face visível do samba, seu entorno e espaço de excelência, o da interação social. Dá para fazer e ouvir  sozinho, no carro, em casa, e sem  beber, é fato. Mas, viver o samba com gente em volta é outra pegada.

A vivência do samba se dá mesmo é na roda, na troca de sorrisos entre desconhecidos e amores de todos os feitios, no suor, no copo quebrado, na coragem de quem tira o outro pra dançar, na desafinação de quem acompanha os bambas. Se faz em nossa casa, na casa dos outros, no ônibus, na rua, no estádio de futebol, em shows e em bares, haja lugar!

Uma coisa fundamental a dizer... é negro. Uma forma de expressão da cultura negra. Mesmo quando quem canta/toca não é. A negritude do samba é uma primazia, nem se nega, nem se cria. Quem canta, faz e ama o samba pode nem pensar nisso... mas, quem vai contestar?

Os primeiros que fizeram, seja África, Rio ou Bahia - assunto para mais muitas teses - não tinham muitos recursos e a democracia de criar ritmo a partir de um toque percussivo e vozes persiste, existe até na caixa de fósforos, como nos ensinou Dicró. O samba é um dos instrumentos relacionais mais democráticos da nossa sociedade. A cozinha, não por acaso, é o coração do samba, é a percussão que atinge nossa diafragma e nos move junto com a melodia das cordas e das vozes. O império de Neguinho do Samba, Mestre Marivaldo do Ilê, Guto Martins.

E nesse universo, vêm as divas, os reis, as rainhas, os mestres, os bambas, os malandros, as diletantes (onde me incluo), as personagens do espetáculo. A constelação de estrelas, famosas ou não, é vasta e democrática. Tem a majestade de Clementina e Dona Ivone Lara. A beleza e sofisticação vocal de Tereza Cristina, Cris Pereira e Martinália. A intensidade e prazer em cantar de Tereza Lopes, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho. A delicadeza de Paulinho da Viola e Mariene de Castro. O talento de composição de João Nogueira, Nelson Cavaquinho e Pixinguinha. A presença cênica, o poder de encanto de Alcione, Diogo Nogueira e Vinicius de Oliveira.

No samba tem espaço para a tristeza da lembrança, a saudade, para pensar! Seja no que vivemos ou nos que se foram, mas deixaram algo em nós, como Clara Nunes, Cartola e Noel Rosa. Na fé, que se fortalece. É a série afro-religiosa de Baden-Powell, um samba-enredo que celebra Nossa  Senhora, o cântico de vitória e a crença de Minha Fé. Está na música-tema que conta a história de Hilda Jitolu, matriarca do Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro do Brasil. Sim, os blocos afros fazem samba-reggae, afinal.

A amizade é celebrada e... queremos ir acompanhados de quem gostamos, já percebeu? Confiança, é algo a cultivar onde a gente se expressa tanto! E bebe, fala e faz besteira (quem não?) E aí tem Meu Lugar, para acompanhar o prazer da amizade, cantado com ternura por Arlindo Cruz e, ainda, a delicadeza de Conselho, onde Jorge Aragão expressa o carinho desinteressado que esperamos e devemos receber dos amigos. 

E tem política e a comunicação, como em Zé do Caroço. A autonomia humana está lá em Maneiras. A sedução envolvente de Disritmia, as promessas que ocupam Cabide tão bem, né não? A traição se traduz em Nervos de Aço. A decepção em Regra Três. A esperança em O Amanhã. As dúvidas, alegrias, as relações, resistências, amor, luta, arrependimentos, nascimento dos filhos... qual pulsão humana o samba ainda não traduziu?

Todas as forças agem em mim quando estou na roda. Eu aprendo, eu cresço, eu faço amigos. Eu fico melhor como ser humano, por que a matéria-prima do samba é a humanidade. Me reconheço, me celebro, lamento, protesto, lembro, esqueço e recomeço. Todo samba é um renascimento. Existe, sim, uma força maior que nos guia.

No samba eu me sinto contente. Até a próxima roda.

PS - Esse texto, onde citei talentos de Brasília e Salvador, também é um agradecimento ao Samba do Peleja, onde ninguém é profissional e todos celebram.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Mudo, logo existo


Tem dias que a gente se sente... E tem dias que não.
Tem dias que a única coisa a fazer é cumprir tarefas, prazos, dar conta, mostrar a que veio, ser responsável, solidário, ser Mãe, ser legal, ser amiga. E a gente nem tem tempo, fôlego ou ânimo para se sentir. E para mudar o que preciso (e não o que esperam que eu mude). Eu preciso me sentir.
Vem aquela infeliz da culpa e nos acusa de egoísmo ou vagabundagem se não vamos adiante, representando, fazendo, interagindo, indo aos lugares em que acontecem as coisas que gostamos, onde estão as pessoas legais e que te enriquecem. 
O custo de estar em dias é alto, meu povo. 
Estar em dias sempre pode te despersonalizar na multidão. Pois, afinal, há códigos e regras em todo grupo/lugar. Mimetizar sempre seria meu fim, com esse ascendente em Leão e essa pulsão geminiana para comunicar. Não sou mais uma nem quero ser. Aliás, modéstia bem lá a parte (que sou baiana mesmo) nem tem como. Saravá!
Aprendi com alguns amigos, homens e mulheres, que tem a hora do não. Não vou, não dá. E não é por que não posso, ou não sou capaz, ou não to afim ou não é bom. É só por que não quero naquele momento e... preciso ficar sozinha. Me ver, escutar, enxergar de verdade, sem mediação.
Mesmo que eu esteja como quem partiu ou morreu, que algo esteja estancando... ou jorrando! Mesmo que esteja tão alegre que poderia sair dançando. Aí, danço aqui em casa mesmo. Ou não.
Vou saindo e voltando. Interagindo e calando. Me vendo... e pensando.
Me sentindo muito delicadamente por que minha pele está novinha esses dias.
Cobra que troca de pele?
Mas, eu me sinto mais camaleoa mesmo. É bom ser transitiva na superfície para não correr perigo, para não destoar, mas gestar uma essência compacta que te torne inconfundível. Tenho certeza que é a diferença que nos humaniza.
Sem medo de ser absurda, estranha, imprevisível, me dou tempos para preparar cores para minhas superfícies. Mudo, logo existo.

sábado, 7 de janeiro de 2012

A FEIRA (de Eduardo Galeano)

registro de temperos feitos na última temporada de amor/aprendizado com Mãe/filha juntas

A ameixa gorda, de puro caldo que te inunda de doçura, deve ser comida, como você me ensinou, com os olhos fechados. A ameixa vermelhona, de polpa apertada e vermelha, deve ser comida sendo olhada.


Você gosta de acariciar o pêssego e despi-lo a faca, e prefere que as maçãs venham opacas para que cada um possa fazê-las brilhar com as mãos.

O limão inspira a você respeito, e as laranjas, riso. Não há nada mais simpático que as montanhas de rabanete e nada mais ridículo que o abacaxi, com sua couraça de guerreiro medieval.

Os tomates e os pimentões parecem nascidos para se exibirem de pança para o sol nas cestas, sensuais de brilhos e preguiças, mas na realidade os tomates começam a viver sua vida quando se misturam ao orégano , ao sal e ao azeite, e os pimentões não encontram seu destino ate que o calor do forno os deixa em carne viva e nossas bocas os mordem com desejo.

As especiarias formam, na feira, um mundo à parte. São minúsculas e poderosas. Não há carne que não se excite e jorre caldos, carne de vaca ou de peixe, de porco ou de cordeiro, quando penetradas pelas especiarias. Nós temos sempre presente que se não fosse pelos temperos não teríamos nascido na América, e nos teria faltado magia na mesa e nos sonhos. Ao fim e ao cabo, foram os temperos que empurraram Cristovão Colombo e Simbad, o Marujo.

As folhinhas de louro têm uma linda maneira de se quebrarem em sua mão antes de cair suavemente sobre a carne assada ou os ravioles. Você gosta muito do romeiro e da verbena, da noz-moscada, da alfavaca e da canela, mas nunca saberá se é por causa dos aromas, dos sabores ou dos nomes. A salsinha, tempero dos pobres, leva uma vantagem sobre todos os outros: é o único que chega aos pratos verde e vivo e úmido de gotinhas frescas.